A outra margem do rio está pelo menos um ano e meio à frente, e não há caminho de volta. A pergunta é simples: você acha que os próximos 18 meses serão mais incertos ou mais estáveis? Certo, serão bastante mais turbulentos, instáveis e imprevisíveis.
A compressão de muitas mudanças em cada vez menor espaço de tempo faz com que nossos “ciclos de vida” enquanto mundo-mercado-sociedade sejam cada vez mais curtos. A era agrícola durou milênios, a era industrial pode ter durado 150 anos, a era do informação talvez 40, e a esperada era do conhecimento nem sabemos se chegou… mas a próxima “era” não vai durar mais do que um par de anos.
Portanto, o desafio mais importante para as empresas não é tentar “descobrir” como o mundo será, mas aprender a lidar com a incerteza… permanentemente. E este é um grande problema para nós – líderes formados na escola do comando e controle, nutridos pela crença de que há um mapa determinístico da realidade. Mas como construir as capacidades para operar e se desenvolver em um ambiente onde as coordenadas não são fixas?
Esta mudança de modelo envolve a reestruturação das capacidades mentais, emocionais e operacionais dos indivíduos, da organização e do ecossistema no qual esta interage. Tivemos sucesso enorme no crescimento – e sucesso relativo no desenvolvimento – do mundo econômico por conta da fé na eficiência. Construímos sistemas altamente rentáveis – ainda que para alguns – e eficientes – especialmente no curto prazo – em um contexto estável. Desenhados para serem robustos, fortes, estes sistemas se mostram terrivelmente frágeis quando a cauda longa das distribuições (a)normais dos eventos mostram sua cara na forma, por exemplo, do Covid-19.
Para lidar com a incerteza radical, a resiliência é mais importante que eficiência. Mas nós precisamos de uma visão mais contemporânea e ampla de resiliência; podemos entendê-la como uma competência que tem dois graus:
Primeiro grau – resiliente: em um primeiro grau, mais simples, a resiliência é a capacidade de se sustentar continuadamente voltando ao estado original após a absorção de choques. Como um bambu que se curva, como uma pessoa que passa por uma depressão e retoma sua vida posteriormente. Neste grau não ocorrem mudanças significativas na natureza ou estrutura do sistema.
Segundo grau – antifrágil: em um segundo grau, mais desafiador e potente, podemos denominá-la antifragilidade, que é a capacidade de adaptação e desenvolvimento conforme aumentam o impacto e a frequência das mudanças inesperadas. Como um ecossistema biológico com alta diversidade que se regenera continuamente, ou a hidra de lerna que ganhava duas novas cabeças quando uma era cortada. Ou como um vendedor ambulante, muito mais adaptável às repentinas mudanças na economia do que um empregado habituado a seu salário mensal e sua mesa no escritório quando perde o emprego.
Compreendida desta maneira mais integral, a resiliência é a competência organizacional mais essencial para o futuro próximo. Mas como podemos encontrar a nutrir a resiliência em uma organização? Para isso precisamos primeiro entender a organização como um sistema.
A organização sistêmica
Uma organização é um sistema vivo, complexo, que busca se adaptar continuamente, e é composta por sub-sistemas interdependentes, que podemos enxergar como níveis, ou dimensões, classificados em função da sutilidade, isto é, quão concretos são os elementos que compõem a dimensão.
A dimensão central do sistema naturalmente são as pessoas, pois é a partir delas que podemos compreender como desenvolver e atuar nos outros subsistemas.
- Recursos: mais palpável e concreto, é o corpo físico da empresa. Ex: equipamentos, capital financeiro, dados, infraestrutura de tecnologia.
- Processos: é o ritmo da organização, seus fluxos ao longo do tempo, que abrangem fluxo de materiais, processos decisórios, algoritmos e códigos que determinam relações com clientes.
- Papéis: representa os moldes determinados para que os processos sejam executados, como cargos, desenho de funções, metas, ferramentas de avaliação.
- Pessoas: dimensão central do sistema, representa os indivíduos, seus sentimentos, como lidam com a motivação, como desenvolvem e exercem a liderança, como podem compreender o significado do trabalho, e como atuam em todos os outros níveis.
- Design: neste nível encontramos os princípios de estruturação da empresa, a possibilidade de mobilidade de ativos, a organicidade de seus diferentes módulos, e sua capacidade interação com o ecossistema.
- Pensamento Estratégico: neste nível reside a maneira como a organização se orienta no mundo e direciona as ações; engloba a gestão de conhecimento e aprendizagem, o posicionamento da marca, a aplicação da lente do longo prazo.
- Identidade: nível arquetípico, representa a essência, a alma da empresa; engloba a cultura, biografia, propósito de existência e princípios fundamentais.
Como desenvolver a Competência Essencial da resiliência?
A resiliência é uma propriedade do sistema como um todo, e não de suas partes: de nada adianta um dos subsistemas ser resiliente se o restante do sistema falir quando houver uma ruptura (observação: de modo análogo, podemos ampliar a lente e avaliar a resiliência do ecossistema de negócios que a organização habita, caso em que cada organização da rede seria então um subsistema). Esta propriedade não é diretamente observável ou mensurável, assim, para podermos encontrar uma boa aproximação, avaliamos profundamente cada um dos subsistemas. Nesta avaliação encontraremos os elementos existentes, ou campos, que podem atuar como potencializadores ou como exaustores da resiliência do sistema. Também nesta avaliação ficará evidente que elementos importantes que poderiam ser potencializadores mas não estão presentes na organização, passando a ser elementos desejados que precisam ser desenvolvidos.
A seguir, ilustramos alguns elementos potencializadores em cada um dos sub-sistemas.
Para compreender o estado atual de uma organização será necessário avaliar, através de análise, pesquisa e entrevistas, os elementos existentes, sejam exaustores ou potencializadores. A abordagem é customizada uma vez que cada organização, segmento, ou modelo de negócios apresenta características próprias, sendo possível incluir outros elementos específicos na análise. Para cada caso deve ser determinada a melhor forma de avaliação, modelo de ponderação das variáveis, e força do impacto considerando o alinhamento com especificidades culturais e objetivos estratégicos. A figura a seguir ilustra esta abordagem.
A integração da ação de todos estes elementos compõe o IRS – Indicador de Resiliência do Sistema, que apresenta três regiões que delimitam seu significado.
- IRS Robusto (menor que zero): a organização tem pouca flexibilidade para lidar com mudanças de maior impacto; as crenças e critérios de decisão organizacionais são enraizadas no conceito de força e robustez.
- IRS Resiliente (entre zero e um): a organização tem maior elasticidade e consegue superar eventos inesperados sustentando sua forma básica de atuação; há atenção para a perenidade e sustentação do negócio a longo prazo.
- IRS Antifrágil (maior que um): a organização tem capacidade de se adaptar e evoluir rapidamente frente a mudanças inesperadas; é um sistema metamórifco, que aprende a se transformar.
A figura a seguir ilustra estes conceitos.
O IRS não é um indicador absoluto, mas função da percepção da liderança da própria organização na construção dos pesos e variáveis, pois é evidente que a compreensão necessária para liderar uma construção desta magnitude só pode existir dentro do próprio sistema que se estuda. A crença em benchmarks e melhores práticas genéricas/globais fazem parte do mundo da supereficiência. A resiliência precisa ser desenvolvida a partir da singularidade do próprio sistema.
Para desenvolver a Competência Essencial da Resiliência na organização, elaboramos o método SISTEMA+RESILIENTE©, ilustrado abaixo:
O outro lado do rio
A organização que emergirá na outra margem do rio após esta travessia de transformação não será a mesma que iniciou a jornada. Nesse sentido, nutrir a Competência Essencial da Resiliência na organização significa chegar a outra margem mais apta, adaptada e consciente para lidar com os novos desafios, oportunidades e incertezas que se apresentarão.
(1) De modo análogo, podemos ampliar a lente e avaliar a resiliência do ecossistema de negócios que a organização habita, caso em que cada organização da rede seria então um subsistema.
Marcos Thiele
Adigo Desenvolvimento