Se você navega com frequência nesta rede é certo que já tenha se deparado com o tema Segurança Psicológica. E não é à toa! Com ambientes de trabalho em constante mudança e evolução, tudo o que se praticava em termos de gestão de pessoas é diariamente questionado, e a segurança psicológica tem ganhado cada vez mais atenção nas empresas como um fator crucial para criar um ambiente de trabalho saudável e produtivo.
Afinal, o que é segurança psicológica e porque ela tem ganhado força?
Basicamente a segurança psicológica refere-se à criação e manutenção de um ambiente em que os funcionários se sentem livres para compartilhar ideias, fazer perguntas, expressar preocupações e, também, admitir erros, sem medo de serem julgados ou punidos. Ou seja, a segurança psicológica gera um ambiente que permite comportamentos de vulnerabilidade.
Todos nós vivenciamos desde 2020 uma abertura pessoal nos ambientes de trabalho, com todos adaptando-se a novos modelos enquanto viviam a angústia de um momento sem precedentes. Finalmente abriu-se espaço para entendermos que somos humanos, e o que se chama “vida pessoal” e “vida profissional” na verdade são uma coisa só, integradas dentro de nós.
Adicionalmente cada vez mais surgem possibilidades de carreiras em rede, que privilegiam autonomia e contribuição, em oposição aos modelos tradicionais na forma de uma escada vertical e que privilegiam status e posição. Portanto novos paradigmas do que significa trabalhar em time emergem, nos quais a segurança psicológica é condição fundamental.
E um último aspecto a se considerar é a urgente necessidade de bem-estar mental e emocional. Os ambientes de trabalho podem ser grande fonte de stress e hoje colhemos os frutos de anos de negligência quanto ao bem-estar psíquico das pessoas nas empresas.
Nesse mundo pós-pandêmico a demanda por segurança psicológica só tende a aumentar, e as pessoas cada vez mais a veem como uma condição para permanecerem ou aceitarem fazer parte de uma empresa.
Este é o contexto que dá força à Segurança Psicológica.
Nesse sentido, as abordagens dos autores Timothy Clark e Amy Edmondson podem ser extremamente úteis, uma vez que eles destacam a importância da liderança e da segurança psicológica nas organizações, e abordam caminhos possíveis para ambientes psicologicamente saudáveis.
Timothy Clark aborda o conceito de segurança psicológica em seu livro “As 4 Etapas da Segurança Psicológica”. Essas etapas são: Inclusão, Aprendizado, Contribuição e Desafio. São etapas sequenciais, que se apresentam como uma escala, e à medida que os grupos avançam ao longo da escala maior é o nível de segurança psicológica.
As etapas são:
1. Inclusão: sentir-se respeitado e aceito pelos colegas de trabalho;
2. Aprendizado: possibilidade de fazer perguntas e aprender sem receio de julgamento;
3. Contribuição: liberdade de compartilhar ideias e colaborar;
4. Desafio: sentir-se seguro para se expressar, questionar o status quo e propor mudanças.
Em complemento a este conceito, a autora Amy Edmondson define a segurança psicológica como “a crença compartilhada de que o grupo não punirá ou rejeitará alguém por falar ou expressar suas ideias, dúvidas, preocupações ou erros”.
Em outras palavras, a segurança psicológica é condição que nos permite compartilhar ideias e opiniões sem medo de retaliação ou rejeição.
E apesar de segurança psicológica ser um conceito relativamente recente, já existem diversas pesquisas que avaliam sua importância e seus efeitos no ambiente de trabalho:
- Google: um estudo realizado em 2012, chamado “Projeto Aristóteles”, mostrou que a segurança psicológica é o fator mais importante para as equipes de alto desempenho. O estudo envolveu mais de 200 equipes e revelou que as com maior segurança psicológica eram mais inovadoras e produtivas.
- Harvard Business Review: um artigo de 2017 apresentou sua pesquisa sobre segurança psicológica e mostrou que ela é fundamental para a aprendizagem e a melhoria contínua nas organizações. O artigo mostra que equipes com alta segurança psicológica são mais propensas a reconhecer e corrigir erros, o que leva a um aumento da qualidade e da eficiência do trabalho.
- Gallup: uma pesquisa com mais de 7.500 funcionários em 2019 descobriu que a segurança psicológica é um fator importante para a retenção de talentos. A pesquisa mostrou que funcionários que se sentem seguros no trabalho são mais propensos a se engajar e permanecer na empresa.
- McKinsey & Company: em 2021 foi analisada a relação entre a segurança psicológica e o bem-estar dos funcionários durante a pandemia de COVID-19. A pesquisa mostrou que os funcionários que se sentiam mais seguros no trabalho eram mais propensos a relatar um bom estado de saúde mental e emocional.
O papel da liderança
É fato que tal ambiente psicologicamente seguro não emerge sem atuação direta da liderança. As empresas cada vez mais buscam líderes que sejam capazes de mobilizar equipes de forma eficaz e segura, garantindo o engajamento e a produtividade saudável dos colaboradores.
Ambos os autores destacam a importância da liderança para criar um ambiente de trabalho seguro e produtivo, onde a segurança psicológica é valorizada. Isso ocorre porque as lideranças têm, no papel que ocupam, a possibilidade de:
- inspirar e motivar seus colaboradores, garantindo que eles se sintam valorizados e apoiados.
- criar um ambiente de trabalho onde existe espaço para que os colaboradores se sintam seguros para compartilhar suas ideias e opiniões.
Em resumo, a liderança de uma equipe é sim responsável por gerar segurança psicológica ao gerar um ambiente de transparência, inclusão, colaboração, reconhecimento e aprendizado. Isso abre espaço para a motivação e a produtividade das equipes, além de promover o bem-estar e o sucesso da organização.
Se você está em uma posição ou papel de liderança de uma equipe, aqui vão algumas recomendações para gerar mais segurança psicológica:
1. Seja transparente e honesto, compartilhando informações e feedbacks de maneira clara e aberta. Isso ajuda a criar um ambiente de confiança e transparência, onde as pessoas se sintam seguras para expressar suas ideias e preocupações.
2. Crie um ambiente inclusivo no qual todos os colaboradores se sintam valorizados e respeitados, independentemente de sua posição, características, experiência ou histórico. Isso ajuda a criar uma cultura de respeito e colaboração, onde a diversidade é valorizada.
3. Promova a colaboração e o trabalho em equipe, incentivando a troca de ideias e a resolução de problemas em conjunto. Isso ajuda a criar um ambiente de trabalho colaborativo e solidário, onde os colaboradores se sentem apoiados e motivados.
4. Reconheça e valorize o trabalho da equipe, expressando gratidão e reconhecimento pelos esforços e conquistas de cada colaborador. Isso ajuda a criar um ambiente de trabalho positivo e motivador, onde os colaboradores se sintam valorizados e apoiados.
5. Aceite e aprenda com os erros, incentivando a experimentação e o aprendizado contínuo. Isso ajuda a criar um ambiente de trabalho onde a equipe se sente segura para cometer erros e aprender com eles, sem medo de punição ou retaliação.
A segurança psicológica nos quatro níveis da organização:
Aqui na ADIGO Consultoria nós trabalhamos com uma visão arquetípica das organizações em quatro níveis, em uma abordagem para analisar e desenvolver estratégias e ações para aprimorar a performance das organizações e atuação das lideranças. São eles:
1. Recursos: Este nível se refere aos ativos tangíveis e intangíveis de uma organização, como instalações físicas, equipamentos, capital financeiro, tecnologia, capital humano e propriedade intelectual.
2. Processos: Este nível está relacionado aos sistemas e metodologias que regem a maneira como uma organização opera diariamente, e que dão vida aos recursos.
3. Relações: Este nível se refere às relações interpessoais dentro de uma organização, bem como suas relações externas com stakeholders, clientes e parceiros. Refere-se a tudo o que envolve a relação entre as pessoas e ao desenvolvimento de habilidades de comunicação, liderança e solução de conflitos.
4. Identidade: Este nível se refere à missão, visão e propósito da organização. A identidade define o “porquê” de uma organização existir e o que ela busca alcançar no longo prazo.
Tendo como pano de fundo estes quatro níveis, as lideranças podem identificar de forma prática onde e como podem agir para promover a segurança psicológica dentro de sua equipe:
1. Recursos:
– Fornecer os recursos e ferramentas necessários para que os membros da equipe possam realizar suas tarefas efetivamente, sem sobrecarga ou estresse excessivo.
– Investir em treinamento e desenvolvimento para aprimorar habilidades e capacidades, o que traz mais segurança para o exercício das atividades.
2. Processos:
– Estabelecer e comunicar processos claros que incluam a oportunidade de dar e receber feedback construtivo.
– Implementar processos colaborativos, com mecanismos para discutir e resolver problemas de maneira aberta e justa, criando um ambiente onde os erros processuais possam ser admitidos e usados como oportunidades de aprendizado.
3. Relações:
– Incentivar a colaboração e o trabalho em equipe, cultivando um ambiente onde os membros da equipe realmente se importam e apoiam uns aos outros.
– Demonstrar empatia e compreensão pelas necessidades e preocupações dos membros da equipe, desenvolvendo relacionamentos sólidos e pautados em confiança.
4. Identidade:
– Estabelecer e comunicar claramente a missão, visão e valores da organização, o que ajuda a criar um sentimento de conexão e propósito.
– Garantir que os membros da equipe compreendam e acreditem na identidade da organização, incluindo a importância de um ambiente psicologicamente seguro.
Segurança psicológica gera times de alta performance
Podemos afirmar que a segurança psicológica e o alto desempenho estão interligados, já que quando os membros da equipe se sentem seguros para assumir riscos, expressar suas opiniões e ser vulneráveis, a equipe se torna mais criativa, inovadora e resiliente, o que resulta em um desempenho mais efetivo. A segurança psicológica gera alguns mecanismos fundamentais para impulsionar a alta performance nas equipes, e podemos ver este resultado manifesto em diferentes formas, conforme abaixo.
PARTICIPAÇÃO: os membros da equipe se sentem seguros para compartilhar suas ideias e opiniões e se tornam mais participativos e envolvidos no processo de tomada de decisão. Isso leva a um processo mais eficiente e efetivo, com mais perspectivas e soluções sendo consideradas.
CONFIANÇA E A COLABORAÇÃO: as pessoas sentem-se confortáveis em trazer contribuições umas às outras, com consequente troca de ideias. A confiança também permite que os membros da equipe se sintam confortáveis em expressar preocupações, o que ajuda a evitar problemas no futuro.
INOVAÇÃO E CRIATIVIDADE: quando os membros da equipe se sentem seguros para assumir riscos e experimentar novas ideias surgem soluções mais criativas e efetivas para problemas e desafios.
EFICIÊNCIA E EFICÁCIA: a redução do medo de falar tende a incentivar pessoas a compartilharem informações valiosas que podem ajudar a equipe a tomar decisões mais informadas e planejadas.
RETENÇÃO E ENGAJAMENTO: num ambiente de alta segurança psicológica os membros da equipe se sentem seguros e valorizados e, portanto, estão mais propensos a permanecerem na equipe e se envolverem no trabalho. Isso pode resultar em uma equipe mais comprometida e dedicada, e que alcança desempenho de alto nível.
A falta de segurança psicológica pode estagnar uma equipe
Como consultora um dos meus focos de atuação é facilitar conversas em equipe para melhoria das relações e dos resultados, ou seja, o famoso “teambuilding”. É muito comum que eu encontre times com um nível de segurança psicológica tão baixo (ou inexistente) nos quais o resultado é estarem estagnados em um ponto de baixo desempenho, de relações bloqueadas e de baixa confiança. Quando estão neste estado não conseguem tratar diretamente desafios, dificuldades ou conflitos interpessoais, e muito menos endereçá-los. São os famosos “Elefantes na Sala”: situações difíceis de ignorar, mas que as pessoas evitam discutir ou abordar, por medo de conflito, de se expor, ou na esperança de que o problema se resolva por si só.
Na minha experiência, quanto mais segurança psicológica existe no time, mais facilmente ele consegue, de forma coletiva, encaminhar situações complexas. Um livro que me inspira e ajuda a lidar com situações assim se chama justamente “O Elefante na Sala: Como relacionamentos criam ou destroem o sucesso de líderes e organizações” da autora Diana Mcklain Smith. No livro a autora aborda o tema da colaboração nas organizações e como os conflitos e desentendimentos podem afetar a capacidade das equipes de trabalhar juntas de maneira eficaz, apresentando exemplos de situações em que a falta de comunicação aberta e honesta levou a problemas e dificuldades nas equipes.
Algumas das estratégias mencionadas para lidar com os elefantes na sala” são:
1. Reconhecer a importância dos relacionamentos e como eles afetam nosso desempenho organizacional. Isso é o primeiro passo para enfrentar os desafios.
2. Identificar padrões existentes e como eles podem estar contribuindo para problemas ou mal-entendidos. Abordar esses padrões é essencial para a resolução de conflitos.
3. Refletir sobre o próprio papel nos relacionamentos e avaliar seu próprio comportamento dentro das relações, para então identificar áreas onde mudanças podem ser necessárias.
4. Compreender as perspectivas dos outros: e adotar uma abordagem empática, procurando entender os pontos de vista distintos de uma mesma situação
5. Comunicar-se abertamente e de forma transparente (mantendo a empatia).
6. Estabelecer metas compartilhadas pode ajudar a superar as diferenças e trabalhar em direção a um objetivo comum.
7. Celebrar e aprender com as diferenças, reconhecendo que essas diferenças podem agregar valor e proporcionar oportunidades de aprendizado.
Ou seja, de forma indireta, ela nos aponta com a segurança psicológica permite que as equipes desenvolvam estratégias para lidar com as tensões e conflitos que muitas vezes impedem a colaboração bem-sucedida dentro das organizações, visando a melhoria do trabalho em equipe e a obtenção de melhores resultados.
Algumas conclusões
É primordial que as lideranças desenvolvam habilidades para lidar com conflitos e conversas difíceis em suas equipes e organizações, para criar um ambiente de confiança e segurança psicológica, no qual as pessoas se sintam à vontade para expressar suas opiniões sem medo de retaliação.
Aqui cabem algumas questões para reflexão:
- Como líder o quanto estou aberto/aberta a mudanças e a novas perspectivas?
- Quais feedbacks costumo receber sobre isso? Como as pessoas me veem?
- O quanto estou disposto/disposta a aprender com as diferenças e conflitos que surgem na minha equipe?
- O que posso/preciso fazer e demonstrar para que a as pessoas da minha equipe possam trabalhar juntas de maneira eficaz e produtiva?
Vale a autoavaliação e vale ainda mais abrir conversas com sua equipe para obter feedbacks valiosos e assim desenvolver sua capacidade de gerar segurança psicológica, e consequentemente impactar de forma positiva o desempenho, a aprendizagem, o engajamento e o bem-estar da sua equipe.
Bibliografia
- Edmondson, Amy C. “A organização sem medo: Criando segurança psicológica no local de trabalho para aprendizado, inovação e crescimento”. Ed. Alta Books
- Clark, Timothy R. “The 4 Stages of Psychological Safety: Defining the Path to Inclusion and Innovation”. Berrett-Koehler Publishers;
- Smith, Diana McLain. “The Elephant in the Room: How Relationships Make or Break the Success of Leaders and Organizations”. Ed. Jossey-Bass.